10 de nov. de 2008

Sejam Bem vindos!

É um prazer poder orientar pessoas através deste blog, seja as orientaçãoes por dicas ou pesquisas feitas aqui.
Colocarei aqui sempre que possível novos links de apoios e dicas.
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A importância da Leitura!

“Quem lê constrói sua própria ciência” (João Álvaro Ruiz)

A leitura tem importância fundamental na vida das pessoas. A necessidade de muita leitura está posto entre todos, haja vista, que propicia a obtenção de informações em relação a qualquer contexto e área do conhecimento, assim como, pode constituir-se em fonte de entretenimento. Para uns, atividade prazerosa, para outros, um desafio a conquistar. Urge compreender que a técnica da leitura garante um estudo eficiente, quando aplicada qualitativamente.

Indubitavelmente, é preciso saber ler, ler muito e ler bem. Considerando apropriações de estudos realizados com o intuito em aperfeiçoar o hábito de leitura, elencamos alguns aspectos e/ou habilidades que julgamos pertinentes, nesta perspectiva:

1º - Ler com objetivo determinado, isto é ter uma finalidade. Saber por que se está lendo;
2° - Ler unidades de pensamento e não palavras por palavras. Relacionar idéias; 3º - Ajustar a velocidade (ritmo) da leitura ao assunto, tema e/ou texto que está lendo:
4º - Avaliar o que se está lendo, perguntando pelo sentido, identificando a idéia central e seus fundamentos;
5º - Aprimorar o vocabulário esclarecendo termos e palavras “novas”.
O dicionário é um recurso significativo. No entanto, palavras-chave, analisadas no contexto do próprio assunto em que são usadas, facilita a compreensão;
6º - Adotar habilidades para conhecer o livro, isto é, indagar pelo que trata determinada obra;
7º - Saber quando é conveniente ou não interromper uma leitura, bem como quando retomá-la;
8º - Discutir com colegas o que lê, centrando-se no valor objetivo do texto, visto que “o diálogo é a condição necessária para a indagação, para a intercomunicação, para a troca de saberes
9º - Adquirir livros que são fundamentais (clássicos), zelando por uma biblioteca particular, assim como, freqüentar espaços e ambientes que contenham acervo literário, por exemplo, bibliotecas;
10º - Ler assuntos vários. Não estar condicionado a ler sempre a mesma espécie de assunto;
11º - Ler muito e sempre que possível; 12º - Considerar a leitura como uma atividade de vida, não desenvolvendo resistências ao hábito de ler.

As orientações supracitadas terão efeitos promissores, se observadas efetivamente, na prática, do contrário, não passam de mero palavreado. A leitura eficiente, depende de método. No entanto, incontestavelmente, o método está na dependência de quem o aplica. Não bastam somente boas intenções. São necessárias ações congruentes aos desígnios.

É fundamental compreender que, na formação de cada cidadão bem como de um povo, a leitura é de máxima importância, representando um papel essencial, pois revela-se como uma das vias no processo de construção do conhecimento, como fonte de informação e formação cultural. Ademais, “ler é benéfico à saúde mental, pois é uma atividade Neuróbica. A atividade da leitura faz reforçar as conexões entre os neurônios. Para a mente, ainda não inventaram melhor exercício do que ler atentamente e refletir sobre o texto.”

O ato de ler é um exercício de indagação, de reflexão crítica, de entendimento, de captação de símbolos e sinais, de mensagens, de conteúdo, de informações... É um exercício de intercâmbio, uma vez que possibilita relações intelectuais e potencializa outras. Permite-nos a formação dos nossos próprios conceitos, explicações e entendimentos sobre realidades, elementos e/ou fenômenos com os quais defrontamo-nos.

Introdução à Leitura Dinâmica.

Introdução:

A maioria das pessoas, quando perguntada, diz que não gosta de ler, porque isto lhe dá sono. Na verdade, não é a leitura que dá sono, e sim o modo como ela é realizada. Devido ao modo como aprendemos a ler, as pessoas ficam com hábitos prejudiciais de leitura , tais como:

1) Sub-vocalização(leitura como os lábios ou com a garganta).
2) Leitura Linear (palavra por palavra).
3) Leitura desatenta (com constantes re-leituras do mesmo trecho, e uma baixa retenção do conteúdo lido).

Também em razão deste tipo de leitura, as pessoas acostumam-se a ler pouco, o que acarreta na maioria dos casos num pequeno repertório de palavras. Assim, qualquer palavra que desconheçam (devido a pouca leitura) provoca-lhe um desconforto interno incosciente, que elas (as pessoas) procuram justificar-se dizendo para si próprio e para os outros que não gosta muito de ler.

Existem, então, dois motivos básicos pelos quais você lê errado:

1) o modo como aprendeu a ler.
2) ler de modo inconstante.

Na verdade, um decorre do outro: você lê pouco, devido ao modo como aprendeu a ler. É claro que isto não significa que não saiba ler; isto significa apenas que, em sua aprendizagem, foi imposto um limite à sua velocidade de leitura, limite este que você jamais tentou superar.

Quando se ensina uma pessoa a ler, as palavras são divididas em sílabas, para facilitar a aprendizagem da leitura. Além disso, as palavras são lidas em voz alta, sílaba por sílaba. Infelizmente, depois de aprendida a leitura, as pessoas continuam a ler fazendo esta vocalização das palavras; mesmo que silenciosamente. Na verdade, este é o maior obstáculo à leitura rápida.

Para aprender a ler dinamicamente, de um modo veloz e produtivo, você deve mudar o seu método de leitura, o que se pode conseguir com um treinamento especial. Primeiro, você deve perder o hábito de sub-vocalizar as palavras. depois, deve habituar-se a enxergar o conjunto de palavras, ao invés das palavras isoladas. À medida que progredir nos exercícios, você conseguirá enxergar blocos cada vez maiores de palavras de uma só vez. Com os exercícios, você conseguirá enxergar blocos cada vez maiores de palavras de um só vez. Com os exercícios de atenção, aprenderá a aumentar a sua atenção durante a leitura, o que fará que retenha cada vez mais o conteúdo do que ler.

A velocidade que conseguir atingir, a par desta retenção de conteúdo, darão um prazer cada vez maior às suas leituras.
*Exercícios encontrados nos livros de Leitura Dinâmica!

Albert Einstein

A leitura após certa idade distrai excessivamente o espírito humano das suas reflexões criadoras. Todo o homem que lê de mais e usa o cérebro de menos adquire a preguiça de pensar.

Pássaro

Aquilo que ontem cantava
já não canta.
Morreu de uma flor na boca:
não do espinho na garganta.

Ele amava a água sem sede,
e, em verdade,
tendo asas, fitava o tempo,
livre de necessidade.

Não foi desejo ou imprudência:
não foi nada.
E o dia toca em silêncio
a desventura causada.

Se acaso isso é desventura:
ir-se a vida
sobre uma rosa tão bela,
por uma tênue ferida.

(Cecília Meireles)

Amo Você...

Quando estais distante
Quero ter-te perto...
Quando estais perto,
Quero ter-te mais perto ainda....
Pois te amo...Amo sua ações....
Amo seu jeito...
Amo seu olhar...
Amo seu sorriso....
Simplesmente amo...
Amo seu amor...
Amo seus carinhos...
Amo seu abraço...
Amo seu cheiro....
Amo seu beijo...
Simplesmente amo...
Amo estar ao seu lado...
Amo estar na sua presença....
Amo te olhar...mesmo de longe...
Amo VOCÊ em tudo....
E amo mais ainda o privilegio de poder estar ao seu lado....

Estórias de Princesinhas

Minha mãe me contava a estória de uma princesinha que fora enfeitiçada por uma bruxa malvada resultando que ela, ao falar, de sua boca saltavam répteis moles, frios e viscosos. Ela só sabia dizer “cobras e lagartos” e quem a ouvia tinha de se conformar em “engolir sapos”. Como ninguém mais conta essa estória eu resolvi reescrevê-la do meu modo.

Era uma vez uma linda princesinha. Linda mesmo! Quem a via não podia deixar de exclamar: “linda!” “Linda!” foi a primeira palavra que seu pai falou ao vê-la acabada de nascer. “Linda!” foi o que falaram sua mãe, seus tios, seus avós e todos os que a viram. Nada mais natural, portanto, que a batizassem com o nome de “Linda”. Assim, no batizado, ante o sorriso encantado de sua Fada Madrinha, o padre falou “Linda”. ( Como é bem sabido toda princesa tem uma Fada Madrinha. )

Linda”foi a palavra que a princesinha mais ouviu durante sua infância e adolescência. Tantas vezes ela a ouviu que acabou por acreditar. Esse é um costume curioso dos seres humanos: acreditam em tudo o que é sempre repetido por todos, ainda que seja uma asnice.

Linda gostou tanto de ser assim admirada por todos que acabou por fazer-se objeto de admiração para si mesma. Ela se declarou então sua “fã número 1”, igualzinho a Narciso.
Colocava-se diante do espelho mágico que herdara de sua falecida tia ( que Deus a tenha! ), a madrasta da Branca de Neve, e dizia a si mesma: “Sou sua fã número um”. Passava o dia inteiro fazendo ao espelho a mesma pergunta que sua tia fazia. “Espelho, espelho meu, haverá no mundo princesa mais linda do que eu?” O espelho nem respondia. Ficava repetindo, abobalhado: “Linda! Linda!” Ah! Como ela amava o seu espelho! Se pudesse se casaria com ele.

Sua Fada Madrinha tinha muitos poderes. Mas havia um que era exclusivo dela: ela ouvia os sons que existem dentro das cabeças das pessoas. Esses sons nós não os ouvimos porque não temos os poderes da Fada. Mas que eles existem, existem! São os sons mais variados: violino, bateria, tambor, corneta, uivos de velório, falatório, cantos de passarinho e não raro um chorinho. Os sons que existem dentro das nossas cabeças são os sons da nossa alma. Pois a Fada Madrinha, ao se aproximar de sua afilhada, ouvia sons que a deixaram muito preocupada. Há um ditado que diz: “Cabeça vazia é oficina do Diabo”. Errado. O certo é: “Cabeça vazia é charco, criadouro de saparia”. E era precisamente isso que a Fada Madrinha ouvia: cantoria de saparia, coaxando numa lagoa mal cheirosa. Lamentou-se então a Fada: “É feia a alma da minha afilhada...”

A Fada Madrinha conhecia muitos feitiços: transformava abóboras em carruagens, feras em belas, anões em gigantes, reis em sapos, fios de cabelo em correntes. Mas não conhecia feitiço que fosse capaz de transformar canto de sapo em canto de sabiá. Esse milagre somente os livros podem fazer, porque os livros põem música na alma. Assim, temendo que sua afilhada viesse a se transformar numa sapa, começou a dar-lhe livros de presente, como antídotos anti-coaxar de sapo. Livros de estórias, livros de poesia, livros de aventuras, livros de amor, livros de ciência, livros de culinária, livros de viagens. Mas Linda se achava tão linda que não se interessava pelos livros. Os livros não falavam sobre ela, que era a coisa mais linda do mundo.

No mesmo dia em que Linda nasceu, nasceu uma outra princesinha. Só que ela não era linda. Era até meio feinha. Ao vê-la ninguém dizia “linda!” Para compensá-la pelo fato de ser feinha, seus pais lhe escolheram um nome maravilhoso, tirado das Mil e uma noites: Xerazade. Xerazade era aquela jovem que, durante mil e uma noites contou estórias para o sultão, e o sultão ficou perdidamente apaixonado por ela. Xerazade, a do sultão, não era bonita. Mas lia todos os livros que lhe caiam nas mãos. A nossa Xerazade, que não se interessava por espelhos, fez igual à Xerazade do sultão. Desandou a ler que não parava mais... Quanto mais lia mais a sua alma se enchia de coisas fascinantes. Leu estórias infantis, poemas, lendas, mitos, romances, livros sagrados, aprendeu línguas para ler livros de outros países... Ah! Que delícia era conversar com a Xerazade!

Aconteceu que Linda, num dia como os outros, aproximou-se do espelho para repetir aquilo que acontecia todo dia. Mas nesse dia o que acontecia todo dia não aconteceu. Sua alma já estava com uma super-lotação de sapos. Não havia lugar para mais nem umzinho. A saparia estava espremida, doida para sair. E foi assim que, abrir a sua boca, um sapo enorme saltou de dentro dela e grudou-se esparramado, no espelho. O espelho horrorizado falou: “Princezinha, não tem papo. Linda você não é. Você se parece com a barriga branca de um sapo...” Linda saiu correndo aos prantos e foi pedir socorro à mãe. Mas foi só abrir a boca e outro sapo saltou grudando-se na cara abobalhada de sua mãe. Daí para frente foi sempre assim. Era só abrir a boca para que um sapo saltasse. A notícia se espalhou e todo mundo passou a fugir da Linda que falava sapos.
Houve mesmo o caso tragi-cômico de um beijo que ela deu num namorado. Pobre do namorado: teve de engolir um sapo...

Enquanto isso, uma coisa muito estranha começou a acontecer com Xerazade. Ela falava e de sua boca saiam lindas flores perfumadas e coloridas. Por onde ela ia, era só falar para que jardins aparecessem. Todo mundo queria estar com ela porque todo mundo gosta de jardins.

Mas o final da estória é surpreendente. Um dia Linda, no desespero, foi consultar um médico especialista em casos incomuns. Esse médico, além de médico, era um gourmet: amava comidas finas e exóticas. Foi só a Linda abrir a boca e um sapo pulou na cara do médico. Indignado ele agarrou o sapo, pronto a estalá-lo na parede. Mas sua indignação se transformou em sorriso.
“Sapo coisa nenhuma! Sapos são batráquios repulsivos. Uma rã! Uma linda gorda rã, meu prato favorito, rã frita com arroz...”

E foi assim que Linda descobriu sua vocação. Não podendo falar flores, como Xerazade, ela resolveu se dedicar ao próspero negócio de criadora de rãs. E não precisava fazer força. Bastava roncar enquanto dormia. Pela manhã seu quarto estava cheio de rãs gordas pulantes que eram imediatamente vendidas a restaurantes e hotéis elegantes. Linda ficou muito rica. Pena que não tenha conseguido um marido. Marido para ela, só se fosse um sapo, como aconteceu ao final do filme Schrek II.

Quanto a Xerazade, ela nem ficou rica e nem ficou bonita. Transformou-se numa plantadora de jardins. Bastava falar para que jardins verdejassem e florescessem. Razão por que, só de pensar nela, todos sorriam...

Publicado no Correio Popular em 11/07/2004 - (Rubem Alves)

O Que Você Faria?

Fábulas são estórias mentirosas que se contam para dizer a verdade. Por exemplo: a fábula do lobo e do cordeiro. O lobo nunca conversou com o cordeiro, porque lobos não falam. E nem o cordeiro argumentou, porque cordeiros também não falam. Trata-se, portanto, de uma mentira.
Acontece que a fábula não se refere às relações entre lobos e cordeiros. Lobos e cordeiros são usados como metáforas da política dos homens. Sua lição é: os fortes sempre devoram os fracos a despeito de os fracos estarem com a verdade. Vou contar uma estória, parábola. Mas, antes de começar, vou pedir perdão aos oncologistas, porque vou usar a sua especialidade como metáfora de uma outra coisa. Sua especialidade vai entrar na minha estória da mesma forma como o lobo entrou na fábula. O lobo é inocente. Vocês, oncologistas, são inocentes. Assim, de início, declaro que esse caso não se refere a vocês. Uso a sua especialidade como metáfora porque fica mais fácil entender. A estória é assim:

“Eles se amavam muito, marido e mulher. Mas sobre o seu amor a morte colocou o seu dedo frio.
Ela tivera um tumor canceroso no seio esquerdo que foi removido cirurgicamente. Foi-se o tumor, ficaram as marcas. Antes ela se olhava no espelho e se alegrava que seus seios fossem tão belos. Agora, cicatrizes. O marido a abraçava carinhosamente e lhe dizia: “Agora o meu coração está mais próximo do seu...” E assim viveram por cinco anos, no medo de que a morte voltasse. E ela voltou. Anunciou-se pelas dores. O velho médico, seu amigo, em quem confiavam, havia morrido. Tiveram de procurar um outro, conhecido por sua competência técnica. Imaginaram que ele seria tão amigo e sensível quanto o velho médico. Afinal de contas, a primeira condição de um médico, anterior à sua competência técnica, é a sua compaixão. Compaixão é sentir, de alguma forma, aquilo que o outro está sentindo. Retirada a compaixão o médico não passa de um mecânico que manipula carros sem sentir nada porque carros nada sentem. Assim chegou esse casal ao dito médico cheio de medo e de esperança. Pois esse medico, ao vê-la despida, sem um seio; exclamou friamente: “ Mas a senhora já não tem um seio... Seu caso é muito mais grave do que eu imaginava... ”

Fico a me perguntar: Por que é que ele falou o que falou? Não falou para informar mulher e marido de uma coisa que não soubessem. Eles sabiam que ela não tinha um seio. Também não falou para certificar-se de algo que estava vendo mas não via bem, por ser ruim dos olhos. Como se estivesse perguntando: “A senhora já fez uma mastectomia?” Não, seus olhos viam muito bem. E qual a razão do seu frio, imediato e cruel diagnóstico: “Seu caso é muito mais grave do que eu imaginava.” Para que falou isso? Era necessário? Não. Não era necessário. Seu diagnóstico em nada contribuiu para o tratamento daquela mulher. Ou será que ele assim falou por inocência? Não imaginava o veneno que suas palavras carregavam. Não imaginava o efeito de suas palavras sobre aquela mulher despida, sem um seio, humilhada, amedrontada. Se falou por inocência digo que o dito médico só pode ser um idiota que nada conhece sobre os seres humanos.

Ah! Se fôssemos dar uma resposta a essa pergunta teríamos de entrar nos subterrâneos onde mora a crueldade, os subterrâneos do sadismo. A lei prevê punições pela imperícia médica. Haverá punições para a crueldade médica? Os médicos podem ser cruéis? Claro. Todos temos um potencial de crueldade dentro da alma, crueldade que só é retida pelo amor. Mas há pessoas em que falta o amor. Aí a crueldade faz o seu serviço.

Crueldade não é algo que somente existe nas câmaras de tortura. Ela se faz também com palavras. Há palavras cruéis que apagam a tênue chama da esperança. E é essa chama de esperança que faz o corpo lutar contra a morte. Quem mata a esperança – que nome haveríamos de lhe dar? Lembro-me do que disse Jesus, de que haveríamos de pagar por todas as palavras que fizessem mal a um dos seus pequeninos. E acrescentou: “Melhor seria que esse homem amarrasse uma pedra de moinho no seu pescoço e se atirasse no mar”. Do meu ponto de vista um médico que assim usa as palavras é um traidor do juramento do Hipócrates, no qual o médico jura que jamais faria algo que fizesse mal aos seus pacientes.

Pergunto agora a vocês, médicos amigos, professores, modelos a serem imitados, responsáveis pela formação dos novos médicos: qual é o lugar, nos currículos de medicina, onde tanta coisa complicada se ensina, para uma meditação sobre a compaixão? É na compaixão que a ética se inicia e não nos livros de ética médica. Ah! dirão os responsáveis pelos currículos – compaixão não é coisa científica. Não entra na descrição de casos clínicos. Não pode ser comunicada em congressos. Portanto, não tem dignidade acadêmica. Certo. Mas acontece que não somos automóveis a serem consertados por mecânicos competentes. Somos seres humanos. Amamos a vida, queremos viver. Sofremos de dores físicas e de dores de alma: o medo, a solidão, a impotência, a morte. O que esse médico fez não tem conserto. Uma vez feita a ferida sangra. Palavras não podem ser recolhidas. O sofrimento foi plantado. E foi crescendo...

Coisas como essa acontecem por causa da impunidade. Algo deveria ser feito para impedir que tais tipos, protegidos por seus diplomas, continuem a exercer sua crueldade de forma impune. Sugiro que se crie um “disque-denúncia” ou uma “escreva-denúncia”. Os humilhados e feridos não devem se calar. Porque, se não denunciarem, aquilo que aconteceu com eles continuará a acontecer com outros. Aqui vai a minha indignação e denúncia.

E algo deveria ser feito para que os jovens aprendessem que, ao serem médicos, eles não estão lidando só com cirurgias heróicas, aparelhos sofisticados, bioquímicas curativas: eles estão lidando com seres humanos. O corpo humano é uma entidade sagrada precisamente porque nele moram o sofrimento e a vontade de viver.

Lembro-me da doutora Vilma Cloris de Carvalho, professora de neuro-anatomia que, ao final do ano, fazia realizar dentro das dependências do Departamento de Anatomia, uma “Missa do Cadáver” – uma liturgia comovente de que participei várias vezes - para que seus alunos que, por meses, haviam estado a lidar com “peças anatômicas”, se lembrassem de que aquelas “peças” haviam sido partes de um corpo vivo que ria, chorava, brincava, fazia amor. Acho que a Vilma, amiga querida, merecia ser agraciada com o título de Professora Emérita da UNICAMP, como exemplo de competência científica e compaixão médica. Ou então, sugiro que seus colegas e ex-alunos plantem um árvore em sua homenagem. Bem na entrada do Departamento de Anatomia. Eu estarei lá no plantio...

Pergunto: se você fosse o marido, o que é que você faria com o médico da minha fábula? Pois eu faria o mesmo que você...

A ilustração dessa crônica é uma fotografia de Albert Schweitzer, filósofo, teólogo, organista, intérprete de Bach. Aos 30 anos deixou tudo para tornar-se médico e passou o resto de sua vida num lugarejo perdido no interior da África, Lambarene. Prêmio Nobel da Paz. Para ele o princípio ético supremo é a “reverência pela vida”. Os estudantes de medicina deveriam estudar a sua vida.
(Rubem Alves)

Carta a um Amigo

Meu querido amigo: Havia tantos anos que não nos víamos! E, de repente, num estacionamento, os nossos caminhos se cruzaram. Dizem que isso se chama “coincidência” – quando encontros acontecem acidentalmente, sem ter sido preparados. De fato, foi um acidente. Não havíamos marcado hora, não havíamos marcado lugar. E, na infinita possibilidade de lugares, na infinita possibilidade de tempos, nossos tempos e nossos lugares coincidiram. E deu-se o encontro.
Dizem alguns, entre eles Jung, se não me engano, que “coincidências” não existem. Coincidências, eles dizem, só são coincidências quando vistas na face direita do tapete. Mas, se pudéssemos olhar o avesso, encontraríamos os fios do destino que fizeram aquele encontro inevitável. Os homens vêem o direito; os deuses tecem o avesso.

À coincidência segue-se sempre a surpresa: não estávamos esperando! E foi assim mesmo. Tive uma surpresa alegre ao vê-lo. Muito embora, nessa idade, os reencontros repentinos, depois de muitos anos, causem um pouquinho de susto. Quando, depois de vários anos, encontramos “aquilo” que conhecêramos como uma menina, a reação automatica é dizer: “Mas como você cresceu! Você está uma moça!” Na “nossa” idade o impulso é dizer: “Mas como você..............!” Deixei o espaço em branco de propósito, para que você o completasse. Sim, eu e você envelhecemos.

Mas o que me comoveu e convenceu de que aquela coincidência fora planejada pelos deuses foi a sua primeira frase: “Rubão, estou apavorado. A hora está chegando!” Sem explicações. Eram desnecessárias. Você sabia que eu sabia o que você estava dizendo. A morte está próxima. Chegará um dia em que teremos de nos despedir desse mundo. Isso é verdade para todos. Nunca se sabe em que esquina a morte nos aguarda. Mas, quando jovens, espantamos o pavor dizendo que ainda vai demorar muito. Na velhice esse consolo já não é possível. ( Ah! Pobres dos saberes acadêmicos que eu e você aprendemos e ensinamos! Como eles nos deixam desamparados diante do Grande Mistério!)

Tive uma grande vontade de abraçá-lo, mas fiquei com vergonha. Senti “compaixão”. “Compaixão” quer dizer “sentir com”. Eu senti o que você sentia. Já estive no seu lugar. Desde a minha infância fui aterrorizado pela morte. Tinha medo de dormir, pois temia que ela, valendo-se da minha distração, me ferisse. Mas durante o dia, em meio aos brinquedos, com meus amigos, eu me esquecia dela. Mas ela voltava com o crepúsculo. Também aos domingos, quando eu ia à igreja e lá o pastor ensinava que aqueles que não estão bem com Deus ( o Deus dele, é claro...), seriam mandados para o inferno, por toda a eternidade. Pelo medo os clérigos católicos e protestantes conseguiam a submissão dos fracos.

Depois, por razões que desconheço, o meu terror pela morte desapareceu. O “lado de lá” já não me assusta. Pois só há duas possibilidades. Primeira: o “lado de lá” não existe. Se não existe, serei devolvido ao lugar onde estive desde o big-bang, treze bilhões de anos atrás. E não tenho a menor memória ruim desses treze bilhões de anos. Pode até ser que as mãos dos deuses que tecem o avesso me façam nascer de novo. Se isso acontecer será ótimo porque gosto muito de viver. Segunda: o “lado de lá” existe. Se existe, estou tranqüilo. Como entendem os poetas, Deus é amor, e sendo amor não posso imaginar que nada de mau esteja à minha espera.

Muito do terror da morte resulta das coisas que nos ensinaram nas igrejas, coisas que nossas mães nos ensinaram. São sempre elas, as mães, as portadoras da religiosidade, não sei bem porque. Talvez porque, tendo Deus ao seu lado, elas consigam que seus filhos as obedeçam. Como se sabe, Deus castiga as crianças que desobedecem as suas mães. Por amor às nossas mães, continuamos a acreditar...

Mas as coisas que as religiões ensinam são invenções dos homens. Um Deus de amor iria estragar o seu universo com uma câmara de tortura chamada inferno? Pelo que sei Deus é jardineiro e se ocupa com a beleza. Como disse Bachelard, os tipos que inventaram o inferno tinham muitas vinganças a realizar. Mas o amor não se vinga. Pelo menos foi isso que aprendi de Jesus.

E o fato é que ninguém acredita. Se as pessoas religiosas acreditassem que o céu é tão bom assim elas não iriam tanto ao médico e não se esforçariam tanto para continuar vivendo. Tratariam era de morrer logo para apressar sua viagem para a colônia de férias permanente. O que elas desejam, mesmo, é continuar nesse mundo tão bonito, tão bom.

O que tenho não é medo. É uma tristeza. É-me insuportável a idéia de ser expulso de campo...
Assim, não tenho palavras de consolo. “Com que tristeza avisto o horizonte aproximado e sem recurso. Que pena a vida ser só isto!” Era o sentimento da Cecília Meireles. Os poetas dizem a verdade. E por falar em poetas, leia o poema do Alberto Caeiro que começa assim: “Num meio dia de fim de primavera...” É lindo. Trás paz à minha alma. Trará paz à sua também. E gosto de rezar essa linda oração. E nem é preciso acreditar em Deus. Basta se alimentar das palavras. Como diz o evangelho, “a palavra é Deus”.

PELOS QUE VÃO MORRER

“Ó Tu, Senhor da Eternidade, nós que estamos condenados a morrer elevamos nossas almas a Ti à procura de forças, porque a Morte passou por nós na multidão dos homens e nos tocou, e sabemos que em alguma curva do nosso caminho ela estará nos esperando para nos pegar pela mão e nos levar... não sabemos para onde.

Nós te louvamos porque, para nós, ela não é mais uma inimiga, e sim um grande anjo teu, nosso amigo, o único a poder abrir, para alguns de nós, a prisão da dor e do sofrimento e nos levar para os espaços imensos de uma vida nova.

Mas nós somos como crianças, com medo do escuro e do desconhecido, e tememos deixar esta vida que é tão boa, e os nossos amados, que nos são tão queridos.

Dá-nos a graça de ter um coração valente para que possamos caminhar por esta estrada com a cabeça levantada e com um sorriso no rosto. Que possamos trabalhar alegremente até o fim, e amar os nossos queridos com ternura ainda maior, porque os dias do amor são curtos. Sobre ti lançamos a carga mais pesada que paralisa nossa alma: o medo que temos de deixar aqueles que amamos, os quais teremos de deixar desabrigados num mundo egoísta. Nós confiamos em ti porque durante toda a nossa vida foste o nosso apoio.

Ó tu, pai dos órfãos, protege os nossos pequeninos. E, antes de partirmos, pedimos-te que chegue logo o dia no qual os que estão morrendo morrerão sem medo, porque os fracos já não mais serão as vítimas dos fortes, e a grande família que é a nação a todo abraçará com sua força e o seu cuidado.

Nós te agradecemos porque experimentamos o gosto bom da vida. Somos-te gratos por cada hora de nossas vidas, por tudo o que nos coube das alegrias e lutas dos nossos irmãos, pela sabedoria que ganhamos e será sempre nossa.

Se tivermos de partir logo, sabemos que inda assim foi através de ti que vivemos e a nossa vida continuará a fluir através da raça humana. Pela tua graça nós também ajudamos a moldar o futuro e a trazer dias melhores.

Se nos sentirmos abatidos com a solidão, sustenta-nos com a tua companhia. Quando todas as vozes do amor ficarem distantes e se forem, teus braços eternos ainda estarão conosco. Tu és o pai do nosso espírito. De ti viemos e para ti iremos. Regosijamo-nos porque, nas horas das nossas visões mais puras, quando o pulsar da eternidade é sentido forte dentro de nós, sabemos que nenhuma agonia da mortalidade poderá atingir a nossa alma inconquistável e, para aqueles que em ti habitam, a morte é apenas a passagem para a vida eterna. Nas tuas mãos entregamos o nosso espírito.”
( Walter Rauschenbusch, Orações por um mundo melhor, PAULUS )

Rubem Alves Entrevista Nietzsche Tocando Flauta

“O meu nome é Zaratustra, e me espanto de que você me tenha pedido para tocar uma "variação filosófica" na minha flauta. Com certeza você não me conhece. Sou músico. Mas a música que toco não agrada aos filósofos. Basta que eu comece a tocar para que os filósofos comecem a correr.

A flauta que tenho na mão é a flauta de Dionísio, o deus grego da alegria. Ela tem poderes mágicos, semelhantes aos da flauta do flautista de Hamelin. Quem ouve a sua música fica alegre e se põe a dançar. (FN III, p.(II) 1146; Ecce Homo, " O Caso Wagner", #1).

Por isso os filósofos correm: eles têm medo de que eu, com minha música, os faça dançar. A dança é o que mais os amedronte. Porque dança é coisa que se faz com o corpo inteiro. Mas os filósofos não têm corpo. Eles só têm cabeça e olhos. É dos seus olhos que nascem os seus pensamentos. Não sabendo dançar, nem mesmo pensar eles sabem. Porque pensar é dançar com os pensamentos. Os pensamentos dos filósofos não dançam. Eles marcham, como soldados em ordem unida.

Por muitos séculos esta flauta esteve enterrada. Desde Sócrates, quando a razão triunfou sobre o instinto. Foi nesse momento, quando a flauta de Dionísio foi enterrada, que a decadência do mundo grego começou. (FN-III (II) p. 1109, Ecce Homo, Prefácio, 2 ).

Essa flauta tem o poder mágico de acordar o instinto. Aqui já aparece o meu conflito com os filósofos: falei em magia. Para os filósofos magia é superstição. Os filósofos não acreditam que as palavras tenham o poder de criar. As palavras são, para eles, apenas "ferramentas" na oficina da razão. Eles "usam" as palavras. Suas palavras pertencem ao mundo da "utilidade". Mas magia é, precisamente, criar pelo poder da palavra.

Em oposição aos filósofos, as palavras para mim são música. Eu as uso como quem toca um instrumento, porque elas são belas, porque elas são diáfanas pontes coloridas sobre coisas eternamente separadas, pelo prazer que me dão. As palavras fazem amor. Minhas palavras pertencem ao mundo do deleite, da fruição.

Faço isso não só por puro prazer, mas porque acredito que a beleza e a alegria são divinas. São elas que dão ao homem o poder de contemplar e viver a tragédia sem serem destruídos por ela. Foi assim que os gregos triunfaram sobre a tragédia: eles a transformaram em beleza. E ainda há alguns que me acusam de impiedade, de não acreditar em Deus. Como dizer isso, se a beleza existe? Acredito em deus, sim, num deus que dança...

*[ “Eu poderia crer somente num deus que dançasse. E quando vi o meu demônio eu o encontrei sério, rigoroso, profundo e solene: era o espírito da gravidade – por ele todas as coisas afundam. Não se mata por meio do ódio. Mata-se por meio do riso. Venham, vamos matar o espírito de gravidade! Agora estou leve! Agora eu vôo! Agora um deus dança através do meu corpo.” ( FN II ( II ) p.307 , Assim falou Zaratustra, “Sobre o ler e o escrever” ]*

É verdade que, vez por outra, eu uso as palavras como ferramentas, por vezes como diapasão, para testar a afinação, às vezes como fogo, havendo alguns que chegaram a me acusar de incendiário, como martelos e marretas, para destruir e até mesmo como pimenta....

Mas, se faço isso, eu o faço da mesma forma como o cozinheiro usa a faca e os fogos, da mesma forma como o escultor usa o martelo e o cinzel, da mesma forma como o jardineiro usa as cavadeiras e as enxadas, da mesma forma como o parteiro usa os forceps: para que uma coisa nova, bela e alegre possa nascer. Todo criador tem de ser um destruidor.

*[ “Entre as condições para a tarefa dionisíca estão, de uma forma decisiva, a dureza do martelo, a alegria mesmo em destruir. ... Todos os criadores são duros... ( FN III (II), p. 1140. Ecce Homo, “Assim falou Zaratustra”, #8) ]*

Não é assim que os filósofos usam as palavras. A oficina deles só tem instrumentos de ótica: óculos dos mais variados tipos, lentes, microscópios, telescópios, prismas, velas, lanternas, lâmpadas, holofotes, e especialmente espelhos. Muitos espelhos. Os filósofos desejam ser espelhos, espelhos de cem olhos. Todos os outros instrumentos existem por causa dos espelhos. A filosofia deseja ser um reflexo, um reflexo apenas. A isso os filósofos dão o nome de verdade. ( PN II ( II ) p. 652, Assim falou Zaratustra ).

Stendhal descreveu com precisão o caráter do filósofo. "Para se ser um bom filósofo", ele disse, "é preciso ser seco, claro, sem ilusões. Um banqueiro que fez fortuna tem uma parte do caráter exigido para se fazer descobertas em filosofia, ou seja, para ver com clareza dentro daquilo que é". ( FN-III, (II)p. 603; Além do Bem e do Mal, 40).

Houve um outro pensador que disse que a única coisa que os filósofos profissionais queriam era interpretar o mundo. Ora, interpretar é refletir, produzir uma imagem. Mas até mesmo as mulheres vaidosas que passam o dia contemplando a sua imagem nos espelhos o fazem para ver se há formas de ficarem mais belas. De forma alguma se conformariam com uma imagem feia. O mundo pede para ser transformado.

O deserto deseja ser um jardim. "Faça amor comigo!", diz o mundo. A que o filósofo responde: "Isso eu não posso. Para isso falta-me o órgão apropriado... Mas trago comigo uma câmera fotográfica. Que tal, ao invés do amor, uma foto colorida?"

Os filósofos desejam ver. Mas a minha alma é de músico. O mundo, para mim, é um instrumento cósmico onde dormem as mais belas melodias. Os filósofos dizem que estão em busca da verdade. Mas a verdade, para eles, é o que é. Mas aquilo que é não pode não pode ser a verdade. A verdade do piano não é o piano: são as músicas que ele pode tocar. A verdade é o possível. Onde estava a sonata antes de ser tocada no piano? Estava no sonho do compositor. A verdade do universo está nos corações dos homens, no lugar dos seus sonhos. " Todos aqueles que tiveram de criar tiveram também os seus sonhos proféticos e sinais astrais – e fé na fé." Quem só reflete, como espelho, sem sonhar, é estéril. ( FN – II – (II), p. 378) Em que lugar do mundo se encontram as peças de Schumann, para serem refletidas? Em lugar algum. Daí minha tristeza, ao contemplar os meus contemporâneos. Escrevi, para eles, palavras amargas e tristes.
*[ “Esta, na verdade, é a amargura das minhas entranhas, que eu não posso suportar vocês nem nús e nem vestidos, vocês, homens de hoje. Tudo o que é sinistro no futuro e tudo o que jamais fez pássaros fugitivos tremer é certamente mais confortável e familiar que a sua “realidade”. Pois assim vocês falam: “ Somos reais, inteiramente, sem crenças ou superstições.” E assim vocês estufam os peitos - mas eles são ôcos! (...). Nos seus espíritos todas as eras tagarelam umas contra as outras; mas os sonhos e a tagarelice de todas as eras são mais reais que a sua vigília. Vocês são estéreis: essa é a razão por que vocês não têm fé. Porque todos os que tiveram de criar também tiveram seus sonhos proféticos e sinais astrais - e tiveram fé na fé. Vocês são portas semi-abertas onde os coveiros esperam. E essa é a sua realidade: “ Tudo deve perecer”.]*
A evidência de que o possível foi atingido, ainda que num momento fugaz, está na experiência de alegria. Na alegria o corpo, encantado, está dizendo: " É isso mesmo! Assim é, assim deve ser!"*
Tive essa experiência muitas vezes. Com a flauta de Dionísio eu desejo acordar o possível, fazer o mundo vibrar, como música. Não me basta ver sem tocar. Quero sentir o mundo estremecer de amor, ao sentir o toque mágico das minhas palavras.

É isso que me separa dos filósofos: sou um amante. Tenho uma caso de amor com o universo...
Eu toco a flauta de Dionísio para acordar o instinto. Instinto é a fonte transbordante de vida que borbulha dentro do corpo. Foi aí, nessa fonte de vida, dentro do corpo que encontrei a flauta de Dionísio.

Mas não salte para conclusões precipitadas, imaginando que eu pertenço ao rebanho dos psicanalistas. É verdade que também eles descobriram os instintos. Mas, tendo vergonha de tocar a flauta de Dionísio, por medo de que os filósofos os acusassem de feitiçaria, ao se aproximarem da fonte borbulhante de vida as suas palavras agitam o lodo, e a água cristalina fica suja. Basta que falem para que as flores se transformam em esterco e a felicidade se transforme em infelicidade.

Nisto eles revelam seu parentesco com seus ancestrais, os sacerdotes que, como disse o poeta William Blake, à semelhança das lagartas que escolhem as folhas mais belas para nelas botar os seus ovos, escolhem as nossas alegrias mais belas para nelas botar suas maldições ( William Blake, The Portable Blake, p. 254).

Comigo é diferente: quando eu toco a minha flauta os monstros se põe a rir. Eu gostaria que os psicanalistas ouvissem o que eu disse de Édipo, o seu heroi: "Ele subjugou monstros, decifrou enigmas: mas é preciso que ele redima ainda os seus próprios monstros e enigmas, transformando-os em crianças celestiais. Até agora o seu conhecimento não aprendeu a sorrir e a ser sem inveja; até agora a sua paixão torrencial não encontrou a tranquilidade da beleza." ( FN II (II), p. 374; Assim Falou Zaratustra, II, " Sobre aqueles que são sublimes").

Concordamos, os psicanalista e eu, em que o corpo é um mar e " a consciência é a superfície" ( FN-III - p.(II)1095; Ecce Homo # 9). Mas, em oposição às suas funduras sinistras, " o fundo do meu mar é tranquilo: quem poderia imaginar que nele vivem monstros brincalhões? Minhas profundezas são imperturbáveis. Mas elas cintilam com enigmas e risos nadantes." (FN-II (II) p.372; Assim Falou Zaratustra, II, " Sobre aqueles que são sublimes").
Dentro de todos os abismos eu ainda levo comigo o meu "Sim" abençoante... - Mas isso, de novo, é o conceito de Dionísio. ( FN -III, . (II), p. 1136).

Os psicanalistas desconfiam dos instintos e chegam mesmo a falar de um instinto de morte. Para eles o instinto é burro, irracional, só quer prazer. Daí o nome de "princípio do prazer" que o fundador da psicanálise deu ao princípio mais fundo da alma humana.

Eu concordo: o prazer, em si mesmo, é burro e irracional. Mas, para mim, o que se encontra no fundo da alma humana, ali no lugar onde brotam as fontes das águas da vida, não é o desejo do prazer mas o desejo da alegria. A alegria está ligada à beleza. A alegria é a marca da beleza. A alegria é a prova dos nove...Sempre que se tem alegria pode-se saber que a beleza se mostrou. Freud falou no “princípio do prazer”. Eu digo “princípio da beleza”...

Ah! Você pede uma imagem... É assim. Prazer é a experiência do orgasmo puro. Pode ser produzido até por masturbação. Alegria é o que sente o amante na simples memória do rosto da pessoa amada. O orgasmo, como todas as experiências de prazer, uma vez acontecido, esgota-se. Não se deseja mais. Prazer é descarga. A alegria, ao contrário, não se cansa. A alegria, pela simples memória do rosto da pessoa continua suavemente. A alegria é a experiência de união com objeto amado. O prazer tem a ver com o corpo só. A alegria, ao contrário, é uma experiência de amor: o corpo em harmonia com o mundo. Também eu desejo a razão. Mas, por oposição àqueles que pensam que a razão é um espelho do real, eu afirmo que a razão é um artista que toma o real como matéria prima para transformá-lo, de sorte a produzir a beleza e a alegria. "A única felicidade está na razão. Mas a razão mais alta está na obra do artista, ( que em tudo se assemelha) a gerar e educar um ser humano" ( The Portable Nietzsche p. 50).

Vou fazer uma confissão que não deveria fazer, porque sei que os "filósofos" vão usá-la contra mim. Foi num longo período de doença que a minha filosofia nasceu. Foi então que "eu descobri de novo a vida, inclusive a mim mesmo. Foi então que provei todas as coisas boas, mesmo as pequenas, de uma forma que os outros não podem provar com facilidade. Transformei então a minha vontade de saúde, a minha vontade de vida, numa filosofia". (FN-III, p. (II) 1072; Ecce Homo, " Por que eu sou tão sábio" #2.). " Somente a minha doença me trouxe à razão" (FN - III, (II) p. 1072; Ecce Homo, p.(II)1086, " Por que eu sou tão esperto" # 2).

É preciso estar na iminência de perder as coisas para tomar consciência delas. A possibilidade de perder aguça a capacidade de sentir o gosto. Assim aconteceu comigo. Minha filosofia, assim, nasceu da mais alta afirmação da vida, "da abundância, da exuberância, do Sim sem reservas, mesmo ao sofrimento, mesmo à culpa, mesmo a tudo aquilo que é questionável e estranho na existência" ( FN-III- (II) p. 1109, Ecce Homo, " O Nascimento da Tragédia" # 2).

Isso foi coisa que aprendi com os Gregos: para se enfrentar o trágico é preciso que o corpo esteja possuído pela Beleza.

A doença, com a possibilidade da perda, transformou os meus olhos. Não me bastava espelhar o mundo dentro dos meus olhos. Eu queria possuí-lo, sentir o seu gosto bom. Isso que digo me apareceu "num sonho, no último sonho da manhã...

" ... eu me encontrava ao pé das colinas - além do mundo; tinha uma balança nas minhas mãos e pesava o mundo... Com que certeza meu sonho olhava para esse mundo finito - não fazendo perguntas, não querendo possuir, sem medo, sem mendigar... - era como se uma maçã inteira se oferecesse à minha mão, maçã madura e dourada, de pele fresca, macia, aveludada, assim esse mundo se ofereceu a mim... - como se uma árvore me acenasse, galhos longos, vontade forte, curvada como um apoio, lugar mesmo de descanso para o caminhante cansado, assim estava o mundo ao pé das minhas colinas;

-como se mãos delicadas me trouxessem um escrínio, um escrínio aberto para o deleite de olhos tímidos, olhos que adoram, assim o mundo se ofereceu hoje a mim; -não um enigma que assusta o amor humano, não uma solução que faz dormir a sabedoria humana: uma coisa boa, humana: assim o mundo foi, para mim, hoje, embora tanto mal se fale dele..." ( FN- II, (II),p. 435).
Mas aqui é preciso ter cuidado. Nem todos aprenderam o segredo da alegria. "A vida é uma fonte de alegria; mas ali, onde a plebe também bebe, todas as fontes ficam envenenadas" ( (FN-II- (II) p. 346; Assim falou Zaratustra, II, "Sobre a Compaixão"). A estes, os mais desprezíveis, plebe, incapazes de dar à luz uma estrela, solo onde nenhuma árvore alta cresce - a estes eu apelidei de " os últimos homens" (FN II (II) p.284; Assim falou Zaratustra, I, #5).
Eles dizem haver inventado a felicidade. Pensam que felicidade é ficar assentados num charco, onde os naufrágios são impossíveis. Pensam que felicidade é conforto. Sonham com a "terra da Cocanha", a terra onde o vinho corre no leito dos rios, as paredes das casas são feitas de bolo, e os leitões e aves assados correm para a boca dos preguiçosos. Engordam, indolentes e estéreis, sob a sombra das árvores, incapazes de ficar grávidos e dar à luz Jamais sobem as montanhas; jamais se arriscam pelos desertos; jamais navegam por mares desconhecidos.

Minha felicidade é outra. "Você nunca viu a vela que entra no mar, redonda, tensa e trêmula com a violência do vento? Como aquela vela, tremendo com a violência do espírito, a minha sabedoria entra no mar - minha sabedoria selvagem". ( FN-II-(II) p.362; Assim falou Zaratustra, II, " Sobre os Sábios Famosos").

Há uma felicidade que só se experimenta quando se vive "como os ventos fortes, vizinhos das águias, vizinhos da neve, vizinhos do sol: assim vivem os ventos fortes. E como um vento forte eu desejo soprar..." (FN-II (II) p.356; Assim falou Zaratustra, II, "Sobre a Plebe")]*. "O segredo da maior fertilidade e do maior gozo da existência é: vivam perigosamente! Construam as suas cidades debaixo do Vesúvio! Enviem os seus navios aos mares desconhecidos! Vivam em guerra com seus iguais e com vocês mesmos! Sejam ladrões e conquistadores...!" (FN-II-(II) p. 166; CA ( Ciência alegre), # 283).)

Aos filósofos bastam os reflexos num espelho. Mas eu preciso de risos, de dança, de beleza. Por isso eu conto parábolas, faço aforismos, escrevo com sangue. ( FN-II- (II) p. 305)
Concordo com Kierkegaard, filósofo que nunca li: a verdade do coração, morada da alegria, não se encontra na letra; ela se encontra na música, além das palavras. Ensinar a alegria: é isso que eu desejo.

Escrevi que os sacerdotes são meus inimigos. “E, no entanto, meu sangue está ligado ao deles, e eu desejo saber que o meu sangue é honrado mesmo no deles" ( FN-II- (II) p. 348; Assim falou Zaratustra, II, "Sobre os Sacerdotes")

Pois eles usavam boas palavras para falar dos mistérios dos seus sacramentos, sem saber que sacramentos são parábolas. Diziam que o pão e o vinho eram acidentes onde se escondia uma substância sagrada, o corpo de Deus. Digo o mesmo dos meus sacramentos: os meus saberes são apenas acidentes; a substância divina é alegria, o corpo de Deus que mora neles. Nessa eucaristia eu acredito. Essa eucaristia eu celebro. Os saberes são taças que transbordam de alegria. A minha escrita são as minhas mãos que se estendem, à procura de amigos.
Desejo aqueles para quem escrevo. Quero que eles dancem ao som da flauta de Dionísio, que é o símbolo da afirmação incondicional da vida, mesmo com todo o seu sofrimento e terror. É assim que entendo as palavras, meus brinquedos. "Palavras e sons: que são eles senão diáfanas pontes iridescentes entre coisas eternamente separadas?" ( " sind nicht Worte und Töne Regenbogen und Schein-Brücken zwischen Ewig-Geschiedenen?") " Não foi para isso que os nomes e os sons foram inventados, para que o homem encontrasse refrigério nas coisas? Falar é uma deliciosa loucura; por meio da fala o homem dança sobre todas as coisas. Que adorável é toda fala e o engano dos sons! Por meio dos sons o nosso amor dança sobre arcor-iris coloridos..." ( FN-II-(II) p.463); Assim falou Zaratustra, III, " O Convalescente" # 2) .

" Da minha beleza cresce uma fome...Dentro de mim há algo insaciável, que deseja poder ser dito. Um desejo de amor está mim, desejo que fala a linguagem do amor" ( FN-III, (II) p. 1137), Ecce Homo, "Assim Falou Zaratustra", # 7)]*

. E o que ela diz é que " vida é uma fonte de alegria", " e que o nosso pecado original é que temos tido muito pouca alegria. (FN-II-p.(II) p.354, 346) Para isso eu escrevo: para ensinar a alegria.

Porque escrevo para fazer rir, para brincar, para mostrar a beleza, filósofo não sou. Sou bufão, sou criança, sou poeta..."

“Assim, para fora
da minha verdade-loucura
eu mergulhei,
para fora
da minha nostalgia pelo dia,
-cansado do dia, doente da luz,-
mergulhei para o fundo,
para a noite,
para a sombra,
-queimado pela verdade,
e sedento:
Tu te lembras ainda,- te lembras, coração ardente,-
de como tinhas sede?
Que eu seja exilado
de toda a verdade,
somente um tolo!
Somente um poeta! ( FN II ( II) p. 810, Assim falou Zaratustra )

Ditas essas palavras ele se pôs a rir. Tomou a flauta de Dionísio, começou a tocar e, à medida que tocava, foi ficando leve, leve, até que flutuou, dançante, no ar...

(Rubem Alves)

O Menino e a Borboleta Encantada

Mil e uma noites haviam se passado desde que o Pássaro Encantado partira. Então ele voltou. Era madrugada. A Menina o viu tão logo a luz alegre do sol fez brilhar as suas penas. Ela o estava esperando. Os apaixonados esperam sempre... Ah! Como foi bom aquele abraço de saudade!
Desta vez as suas penas estavam coloridas com as cores das florestas sobre as quais voara. O Pássaro Encantado pôs-se então a cantar os seres das matas, árvores, orquídeas, regatos, cachoeiras, elfos e gnomos... A Menina não se cansava de ouvir. Ouvia e pedia que ele contasse de novo as mesmas estórias, do mesmo jeito. E assim viviam os dois se amando por dias e dias. Mas sempre chegava o momento em que o Pássaro dizia: “Menina, o vôo me chama. Preciso partir. É preciso partir para que o nosso amor não tenha fim. O amor precisa de saudade para viver...” A Menina chorava baixinho mas compreendia. E assim o amor acontecia entre partidas e retornos.

As asas do Pássaro pareciam incansáveis. Estavam sempre à procura de lugares desconhecidos. Ele já visitara montanhas encantadas, planícies geladas, lagos, rios, abismos, castelos, uma cidade construída na divisa entre a realidade e a fantasia, um reino onde era proibido estar triste, lugares sagrados, vulcões, o país dos dragões verdes e dos gigantes amarelos, jardins, selvas verdes, mares azuis, praias brancas... Sobre todos esses lugares ele lhe contara estórias. A Menina não tinha asas. Mas ela voava nas estórias que o Pássaro lhe contava.

Mas os anos foram se passando. O Pássaro envelheceu. Suas asas já não eram as mesmas da juventude. E também os seus sonhos já não eram os sonhos da mocidade. Deseja-se partir quando é manhã. Mas quando o sol se põe o que se deseja é voltar. E assim um desejo novo surgiu no coração do Pássaro crepuscular: voltar...

O sol acabara de se pôr. Vênus brilhava no horizonte. Foi então que a Menina o viu. Suas penas pareciam incendiadas pelo sol. Depois do abraço ele disse para a Menina algo que nunca lhe dissera antes: “Menina, conte-me as estórias da minha ausência...” E foi assim que, pela primeira vez, o Pássaro se calou e a Menina lhe contou estórias.

Por muitos dias o Pássaro e a Menina gozaram do seu amor. Mas o Pássaro já não era o mesmo. Algo acontecera com os seus olhos. Já não procuravam horizontes longínquos. Eles olhavam as coisas simples que havia na sua casa, coisas que sempre estiveram lá, mas que ele nunca havia visto. Não vira porque o seu coração estava em outro lugar. É o coração que nos diz o que é para ser visto.

Aconteceu então, num dia como os outros, o Pássaro abraçou a Menina, e ele sentiu, nas costas da Menina, algo que nunca sentira.

“Menina, o que é isso?” ele perguntou. Ela enrubesceu e respondeu:

“Asas, pequenas asas... Estão crescendo nas minhas costas...”

E para que ele as visse baixou sua blusa. E ele viu. Sim, pequenas asas, delicadas asas, asas de borboleta, coloridas, diáfanas, frágeis... E ele percebeu que a Menina se preparava para voar. Sua Menina se transformara numa borboleta...

O Pássaro sorriu uma mistura de alegria e de tristeza. Sentiu um leve tremor nos lábios, aquele mesmo tremor que vira nos lábios da Menina a primeira vez que lhe dissera: “Eu quero partir...” Chegara a hora em que ela partiria e ele ficaria. Ele seria, então, aquele que esperaria. Como é dolorido ficar! A solidão de quem fica é maior que a solidão de quem parte! Quem parte vai para mundos novos, cheios de maravilhas desconhecidas. Quem fica, fica num espaço vazio, de objetos velhos, esperando, esperando, contando os dias.

O momento da despedida chegou. A Menina, flutuando com suas grandes asas de borboleta, disse ao Pássaro: “Preciso partir...”

O Pássaro teve vontade de chorar. Queria lhe dizer: “Não vá. Eu a amo tanto.” Mas não disse. Lembrou-se de que essas haviam sido as palavras que a Menina lhe dissera, quando ele partira pela primeira vez. O Pássaro temia por ela. Suas asas eram tão frágeis, asas de borboleta que quebram-se atoa. Queria estar com ela para consolá-la na solidão e no cansaço. Mas não fez gesto algum. Ele sabia que os abraços que não se abrem são mortais para o amor.

Ele estendeu a sua mão num gesto de despedida. A Borboleta voou e nela pousou. Ele se aproximou dela, como se fosse beijá-la. Mas não beijou. Apenas soprou suas asas suavemente. “Voa, minha linda Borboleta”, ele disse, se despedindo. A Borboleta bateu suas asas, voou e desapareceu na distância.

Então, ao olhar de novo para si mesmo ele não se reconheceu. Já não era o Pássaro Encantado de penas coloridas. Transformara-se num Menino... Um Menino que não sabia voar. Um Menino que esperava a volta da Borboleta Encantada. Então ele voaria nas asas das estórias que ela haveria de lhe contar...

* * *

Esta “estória” tem uma “história”. Trata-se da continuação da estória “A Menina e o Pássaro Encantado” (Edições Loyola) que escrevi para minha filha pequena, Raquel. Devia ser o ano de 1980. Eu iria fazer uma viagem longa para o exterior e ela chorava. Eu devia ter 46 anos, bastante cabelo preto e energia para conquistar o mundo. Os anos se passaram, minhas asas se cansaram e agora nem tenho energia e nem vontade de conquistar o mundo. Ainda tenho prazer em viajar mas as viagens freqüentemente me cansam. Não é cansaço físico. É um cansaço na alma, com aquele descrito no primeiro capítulo do livro de Eclesiastes. Quando todo mundo está viajando eu quero mesmo é ficar. Karl Jaspers dizia que não viajava porque na casa dele estavam todas as coisas dignas de serem conhecidas. Minha loucura ainda não chegou perto da dele. Mas o fato é que há, na minha casa, uma infinidade de coisas interessantíssimas que eu deveria gastar tempo em conhecer. Tantos poemas e contos que não li, tantos livros de arte, tantos CDs que ainda não ouvi... E há também Pocinhos do Rio Verde, meu mosteiro... Esse é o destino dos pais. Há um momento em que os filhos batem as asas e se vão. Os pássaros sabem disso e não reclamam. Muitos pais e muitos avós tratam de fazer lugares deliciosos para seus filhos e netos passarem os fins de semana! Na viagem para Pocinhos do Rio Verde passo sempre defronte a um “Sítio do Vovô”. Imagino o Vovô e a Vovó sozinhos na varanda do sítio, esperando os filhos e os netos que não vêm. Eles estarão provavelmente em algum clube ou praia... Há um momento na vida em que o destino dos pais é esperar...Os apaixonados são aqueles que esperam...

(Publicado no Correio Popular 13/02/2005 - Rubem Alves)

Explicando Política às Crianças

Meninos, meninas, vou lhes contar como tudo começou, do jeito como me ensinaram. Há muitos milênios atrás ( um milênio são mil anos! ), antes mesmo que a roda tivesse sido inventada, a vida era uma pancadaria generalizada, pauladas, pedradas, furadas ( eram feitas com paus pontudos; ainda não haviam descoberto um jeito de fazer flechas com pedras lascadas), cada um por si, cada um contra todos. Um famoso pensador chamado Hobbes disse que era um estado de “guerra de todos contra todos”. Não havia leis. As leis servem para proibir aquilo que não pode ser feito. Assim, cada um fazia o que queria. Roubar não era crime porque não havia uma lei que dissesse “é proibido roubar”. Matar não era crime porque não havia uma lei que dissesse “ é proibido matar”. E não havia pessoas encarregadas de fazer cumprir a lei: juizes, polícia. É para isso que a polícia existe: para impedir que a lei seja quebrada e para proteger os cidadãos comuns. Quem tivesse o porrete maior era o que mandava. Houve até um famoso presidente dos Estados Unidos que explicou o seu jeito de governar: “Falar manso e ter um porrete grande nas mãos...” Os jeitos primitivos continuam ainda em vigor.

É fácil entender. Imaginem uma coisa doida: um jogo de futebol em que não haja regras e nem haja um juiz que apite as faltas. Tudo é permitido. Tapas, murros, rasteiras, xingamentos, levar a bola com a mão, mudar de time no meio do jogo. Ao final de cada jogo o número de mortos e feridos é grande. Os amantes de futebol queriam continuar a jogar futebol, mas sem medo da violência. Eles se reuniram e disseram: “Não é possível continuar assim. Vamos fazer regras para o futebol. E vamos ter, no campo, um homem que faça com que as regras sejam cumpridas.” E assim fizeram. E o futebol se transformou num jogo civilizado ( às vezes...)

Pois os homens daqueles tempos chegaram à mesma conclusão. Não valia a pena continuar a viver daquele jeito. Eles se reuniram numa grande assembléia e chegaram a um acordo: “Só há uma solução. É preciso que cada um deixe de fazer o que lhe dá na telha. Precisamos leis. Mas, para ter leis, precisamos de um homem que faça as leis. E não só isso: um homem que tenha o poder para punir todos aqueles que quebram a lei.

Os homens, assim, abriram mão das suas pequenas vontades individuais para poderem viver uns com os outros em paz. E para que houvesse um homem que fizesse as leis e punisse os criminosos eles escolheram um que seria o seu Rei, ele e os seus descendentes. O Rei teria que ser aquela pessoa que reinaria para a paz dos homens comuns, os seus súditos. O Rei teria de ser uma pessoa que, ao mesmo tempo, combinasse sabedoria e força. Sabedoria para fazer as coisas certas. E força para que punisse os malfeitores. Em toda situação há sempre os malfeitores, aqueles que quebram as leis. Também no futebol há os malfeitores. No futebol os malfeitores são aqueles que quebram as regras, aqueles que, pensando que o juiz está distraído, dão rasteiras e tentam fazer gols com a mão. Se o juiz ficar desatento e não apitar as faltas a partida de futebol vira pancadaria.

Mas esses homens que elegeram o Rei eram ruins em psicologia. É sempre assim: em período de eleição todos os candidatos se apresentam como honestos, puros, pessoas que só desejam o bem do povo. Mas o povo não conhece psicologia. Acredita naquilo que lhes é dito. Não sabem que essas falas dos candidatos são como a isca no anzol do pescador. O seu objetivo é apenas “fisgar” o voto do povo. E esses puros, uma vez no poder, passam por horríveis transformações. Belos, transformam-se em Feras. Aconteceu assim com os Reis, tão bonitos, tão honestos, antes de terem a coroa na cabeça e a espada na mão. Mas uma vez no poder transformaram-se em Tiranos. Tiranos são aqueles que, esquecidos do povo, impõem a sua vontade sobre ele. Assim os Reis esqueceram-se do povo e passaram a pensar só neles mesmos. Se eles eram aqueles que fazem as leis, e se eles eram aqueles que tinham a espada na mão, não havia ninguém que os punisse. Eles cometiam suas maldades protegidos pela impunidade. Tendo poder para fazer as leis, eles as fizeram só em seu benefício, leis que obrigavam o povo a pagar impostos pesados. Imposto é um dinheiro que o povo tem de pagar ao governo para administrar o país. Tudo estaria bem se o dinheiro dos impostos fosse usado para o bem do povo. Mas não foi isso que fizeram. Usaram o dinheiro do povo para si mesmos. Construíram palácios com jardins, gramados e piscinas, deram banquetes, não só eles mas todos os membros da corte que assim se locupletaram. Todos ficaram ricos. O povo ficou mais pobre, mais sofrido. Aprendam isso: as pessoas mais cheias de boas intenções, quando têm o poder e o dinheiro na mão, esquecem-se delas. Ficam deslumbradas com o poder e passam a pensar só nelas mesmas. O poder e o dinheiro corrompem.

Foi assim durante muitos séculos. Até que o povo perdeu as esperanças. Os reis, que haviam sido objetos da sua admiração, tornaram-se objetos do seu desprezo. Seu perfume se transformou em fedor. Não, os Reis jamais pensariam no bem do povo. Aí o povo pensou: “Não fomos nós que escolhemos o Rei? Se ele está no trono é só porque nós queremos! Ele não está no trono pela vontade dos deuses! Se fomos nós os que o colocamos no trono, temos o direito de tirá-lo de lá”. O povo então se enfureceu, saiu às ruas, pegou em armas, fez revoluções e tirou o Rei do trono. Esse direito do povo, de tirar os Tiranos do poder, pela força, até foi louvado pela mais humilde e a mais santa das mulheres, Maria, mãe de Jesus. Cantando o amor de Deus ela disse que ele “derrubou dos seus tronos os poderosos e exaltou os humildes.” ( Lucas 1:52).

Mas esse direito de tirar os reis dos tronos transformou-se em crueldade. Na Revolução Francesa o rei e a rainha foram guilhotinados. Na Rússia os revolucionários fuzilaram toda a família real, inclusive as crianças.

Voltou-se então ao estado original: não havia quem ditasse leis e as fizesse cumprir, para a paz do povo. Havia o perigo de que se estabelecesse a condição primitiva de “guerra de todos contra todos”. Há de haver quem faça as leis e garanta o seu cumprimento. Mas o povo havia aprendido uma lição: poder por toda a vida, como o que era dado aos reis, só produz tirania e corrupção. É muito perigoso dar poder absoluto a uma pessoa só.

Por que o jogo de futebol é possível? Jogadores, bola – tudo bem. Mas não basta. Há de haver regras. E como se estabelecem regras? As pessoas interessadas se ajuntam e fazem um “contrato”. “Contrato” é um documento que estabelece as regras, com o acordo de todos. Esse contrato contém as regras do jogo que todos devem obedecer. Todas as relações entre os seres humanos são reguladas por contratos. O casamento é um contrato, a compra de uma casa é um contrato, a matricula de um aluno numa escola se faz por meio de um contrato. Quando um povo inteiro quer estabelecer as regras de sua convivência, esse contrato tem o nome de “Constituição”. O Brasil tem uma “Constituição”.

O espaço chegou ao fim e na próxima crônica vou falar sobre a “Democracia” que é o sistema de governo em que quem faz as leis é o povo. Pelo menos, é assim que deveria ser.

(Correio Popular, 16 de Junho de 2005. - Rubem Alves)

Minha educação Sexual

Menino inteligente e de olhos curiosos, decifrei desde muito cedo os mistérios do sexo, a diferença entre os homens e as mulheres. E isso por conta própria, sem que ninguém me contasse. Percebi que homens eram aqueles que usavam calças. Mulheres eram aquelas que usavam saias. Essa conclusão óbvia me bastava. O problema que me atormentava era outro: como saber o sexo dos bichos que nem usam calças e nem usam saias? A única exceção eram os galos e as galinhas, nos quais a diferença sexual está na cara dos galos: os galos têm uma crista vermelha na cabeça e cantam. Se não tem crista vermelha e nem canta, é galinha.

E por falar em crista de galo, lembro-me de que Leonardo da Vinci, no seu livro de culinária, ensina uma receita de cristas de galo assadas, prato muito apreciado na época. Há, entretanto, uma pendência que me deixa angustiado: as cristas eram cortadas dos galos enquanto vivos? Ficavam eles, depois da cruel castração de sua masculinidade, a perambular, humilhados, por entre as galinhas que certamente se riam deles?

Mas os outros bichos que nem usavam calças e saias e nem tinham crista na cabeça, gatos, cachorros, cavalos, bois e vacas, me causavam perplexidade. Estávamos meu pai, minha mãe e eu conversando, numa tarde, quando achei apropriado esclarecer essa questão. Eu deveria ter 4 anos de idade. “Pai, como é que a gente sabe quando é boi e quando é vaca?” Minha mãe convulsionou e soltou um grito fino. “Diano, não! Diano, não!” Foi o que ela disse. Me lembro bem. Não me lembro de outro grito igual. Meu pai deu uma risadinha sem graça e disse: “É fácil.
Os bois têm argolinha no chifre”. Se você não entendeu a explicação do meu pai, digo que eu entendi e passo a explicá-la. Os bois, touros que se tornaram obedientes pela castração, eram usados para puxar carros de bois. Quem dava as ordens era o carreiro que caminhava a pé ao lado do carro com o seu ferrão dotado de um guiso cuja música os bois entendiam muito bem, treinados que tinham sido com técnicas pavlovianas: o simples soar do guiso dizia que lá vinha ferroada. E antes que ela viesse eles obedeciam. Andando ao lado dos bois havia sempre o perigo de que um deles, provocado por alguma varejeira no focinho, meneasse a cabeça para o lado, atingindo o carreiro com um chifre. Para evitar que isso acontecesse aparafusavam-se argolinhas na ponta dos chifres dos bois e amarravam-se a argolinha do chifre direito do boi da esquerda à argolinha do chifre esquerdo do boi da direita por meio de uma tira de couro. Assim, as cabeças dos bois ficavam impedidas de golpes bruscos que pudessem ferir o carreiro.
Aceitei a explicação do meu pai sem acreditar muito porque o grito de minha mãe me informou que eu estava andando em terreno proibido. Agora, muitos anos transcorrido após o acontecido, meditando psicanaliticamente sobre esse trauma infantil, veio-me a idéia de que o grito de minha mãe era uma reação ante à possibilidade eminente de que o meu pai a despisse na minha frente. Porque se ele dissesse a verdade e me revelasse o segredo da diferença entre bois e vacas eu poderia, por analogia, chegar a conclusões sobre a diferença entre homens e mulheres, e isso era como expô-la nua, aos meus olhos.

O próximo passo na minha educação sexual teve a ver com galos e galinhas. Intrigava-me o costume estranho que tinham os galos de correr atrás das galinhas que fugiam cacarejando esbaforidas até alcançá-las. A seguir subiam nas suas costas num equilíbrio instável, agarrando-se às suas cristas para não cair e baixavam o rabo, ritual que não durava mais que 5 segundos.
Dirigi-me novamente ao meu pai. Sabia que seria inútil fazer pergunta tão complicada à minha mãe. Perguntei-lhe das razões por que os galos faziam aquilo. Ele me respondeu que se tratava de uma ação punitiva do galo por alguma coisa errada que a galinha tivesse feito. Fiquei indignado. Revelou-se, então, uma vocação que haveria de me acompanhar pelo resto da minha vida: desde menino fui feminista. Estou sempre pronto a defender os fracos, tal qual D. Quixote de la Mancha. Ele, lançando-se de lança em riste contra os moinhos de vento. Eu, atacando os galos a pedradas e vassouradas para que eles soubessem que, enquanto eu estivesse por perto, não permitira aquele seu ato machista e covarde. O fato é que, a partir daquele dia, não dei descanso aos galos.

A lição seguinte ocorreu alguns anos depois. Caminhava com a minha mãe por uma das ruas centrais da cidade de Varginha de um jeito que eu detestava: ela me segurava firme pelo pulso, sem me dar chance de me libertar. Como as mãos dizem coisas diferentes! A mão grande que segura a mão pequena. Como se dissesse: “Estou aqui. Pode confiar em mim. Você pode abrir a sua mão quando quiser”. É uma mão que segura com ternura. Já a mão grande que segura a criança pelo pulso está dizendo: “Você não tem escolha. Pode abrir a sua mão à vontade. Você continuará preso pela minha mão...”

De repente eu vi uma coisa monstruosa que nunca tinha visto, uma aberração, doença terrível, pobre daquela mulher, com uma barriga imensa da qual se envergonhava, tanto assim que tentava escondê-la debaixo de uma blusa que mais se parecia com uma saia de tão grande. “-Mãe, olha só o barrigão daquela mulher...” Não cheguei a terminar a frase. Minha mãe apertou o meu pulso com raiva e sem dizer uma única palavra deu-me um safanão. Não entendi nada. Mas aprendi que não deveria jamais falar sobre mulheres barrigudas. Nunca mais falei.
Estou escrevendo minhas memórias que publicarei como livro. Essa crônica é um dos fragmentos.

(Correio Popular, 21 de Agosto de 2005. - Rubem Alves)

A Cozinha

A cozinha era o melhor lugar. De manhã, depois do café com leite pão e manteiga, cada um ia para um lugar diferente. Era a hora da separação. O que era muito bom. À noite todos nos encontrávamos de novo na cozinha, o que era melhor ainda.

O fogão de lenha aceso era um altar. A gente adorava, sem saber. O fogo. A lenha queimava, perfumando o ar com o cheiro das resinas que a madeira chorava através de suas gretas. E de repente voavam fagulhas estalando, pequenos fogos de artifício. O fogo avermelhava os rostos. A prosa era sempre sobre coisas de antigamente que todos já conheciam. “Pai, conta daquela vez que, pra visitar a mamãe, você atravessou a enchente do rio num tacho do engenho de cana puxado por uma corda...” A conversa era só uma desculpa para estar juntos. A conversa era uma continuação das mãos. As palavras tinham carne. Na sala de visitas, lugar de cadeiras em ângulo reto, o silêncio criava incômodo. Não podia ser. O vazio era o nada. Silêncio seria falta de educação com as visitas. Mas na cozinha, diante do fogo, o silêncio era bem-vindo. Só contemplar o fogo já bastava. Era um silêncio carnudo, cheio de ser, tranquilo e feliz. O fogo incendiava a imaginação. Um espaço com um fogo aceso é um espaço aconchegante. As sombras não param.
Movem-se ao sabor da dança das chamas. O fogo tranqüiliza a alma, espanta os medos. Faz lugar para os pensamentos vagabundos que não querem nada.

A chapa quente do fogão era lugar para uma cafeteira de ágata. Quando não o café, um chá de folha de laranjeira. Minha amiga Maria Alice, nascida em Mossâmedes, Goiás, viveu a cozinha como eu vivi. Contou-me que quando era mais jovem propunha um negócio a Deus: ela trocaria um ano de sua vida agora por uma única noite na cozinha de sua casa. Toda noite era igual. Ela conta: “A mãe dizia: ‘Vou é lá fora apanhar umas folhas de laranjeira prá fazer um chá pra nós...’
O pai advertia: ‘Mulher, você vai é ficar estuporada. Está com a cara quente do calor do fogo e vai sair na friagem? Vai acabar de boca torta...’ Ela nunca seguiu a advertência do marido e nunca ficou de boca torta.

Sobre o fogo uma panela de ferro coberta com uma tampa de lata de óleo de 18 litros, com brasas em cima. Dentro da panela, um “bolo de panela”. É preciso dizer que é “bolo de panela” para diferenciar dos outros, que são de forno. Bolo de panela é bolo de pobre que não tem forno. As brasas na lata são para assar o topo do bolo. De fubá, com pedacinhos de queijo Minas. A tecnologia não era perfeita. Um momento de distração e a brasas queimavam a crosta. Mas esses pedaços queimados eram mais gostosos. A manteiga escorria no bolo quente. A Tofa cuidava do fogo, cuidava do café, cuidava do bolo de panela. Às vezes, ao invés de bolo de panela era pipoca.

Podia ser que nos assentássemos à volta da mesa nos bancos compridos e se usasse o tempo para escolher feijão ou debulhar milho de pipoca para o dia seguinte. Nas noites de chuva os pingos das goteiras tocavam música nas panelas espalhadas pelo chão. Meu pai gostava da música das goteiras. Ele dizia que elas o faziam dormir.

Nas noites de julho, muito frio, a gente se assentava à volta de um tacho de cobre cheio de brasas e punha os pés nos pauzinhos dos tamboretes, pra quentar fogo. Apagava-se a luz e os rostos apareciam vermelhos sobre um fundo escuro. Os pintores flamengos gostavam desse jogo de vermelho e negro.

De noite a cozinha era um lugar macio, de ficar quieto, fazendo nada, só gozando... Gozando a dança vermelha das chamas, o cheiro das resinas, o barulhinho do fogo crepitando, o gosto bom do café com bolo. Era uma festa para os sentidos tranqüilos. Estávamos livres da compulsão por fazer. Parafraseado Bachelard: “Quer ficar tranquilo? Contemple calmamente a chama de um fogão de lenha que faz o seu trabalho de luz e calor...”

De dia a cozinha era outra coisa. Virava oficina de alquimista, lugar onde se processavam grandes transformações na matéria. O fogo fazia o duro ficar mole: a mandioca, a batata, o arroz, a carne. Fazia o mole ficar duro: o ovo cozido, o pé de moleque, rapadura com amendoim. A rapadura mesma era um líquido que o fogo transformara em sólido. O fogo também fazia ferver a meleca das goiabas partidas até transformá-las em pastas endurecidas que se guardavam m caixas. O fogo fazia o nojento virar sabão: aquelas muxibas e sebos de carne de vaca, ajuntados debaixo do fogão, misturadas com decoada, tudo derretido junto num tacho de cobre vermelho, virava sabão preto que, depois de pronto, era amassado em bolas do tamanho de duas conchas de mão e amarrados artisticamente com palha de milho. Decoada faz-se assim: as cinzas do fogão, depois de purificadas de pedacinhos de carvão por meio de uma peneira, eram colocadas dentro de uma lata de óleo grande, não sem antes fazer três furinhos no fundo. A seguir a cinza era pilada até ficar dura como pedra. Colocava-se então a lata sobre três tijolos, debaixo dos furos um pires, e derramava-se água na cinza, cada dia só um pouquinho. A água era filtrada através da cinza e saia no pires como um líquido da cor de café. Esse líquido era a decoada que era misturada à nojeira das muxibas e sebos para produzir o delicado sabão preto, muito bom para a pele. Me disseram que a tal decoada continha potássio. Mas ninguém sabia o que era potássio! Vejam! Eles sabiam sem saber, mais do que nós! Conheciam o poder daquele líquido sem nome científico. Enquanto que nós conhecemos o nome científico mas nada sabemos sobre o seu poder. Eu descobri, numa aldeia histórica nos Estados Unidos, que era assim que os Pilgrim Fathers faziam sabão. Do jeito como a gente fazia, lá em Minas. Fazia o sólido virar gás: a lenha, as cascas de laranja secas, penduradas num varal de arame sobre o fogão: pegavam fogo com fúria!

Eu me metia na cozinha não por interesses culinários mas por interesses técnicos. O fogo me ajudava a fazer brinquedos. Para colar o papel de seda dos papagaios eu fazia grude, mistura de polvilho com água numa latinha vazia de massa de tomate sobre a chapa, mexendo sempre para não empelotar. Custou-me muitos experimentos para aprender a técnica de fazer grude sem pelotas. Para fazer furos numa tábua, sem arco de pua, o jeito era aquecer um espeto redondo até ficar em brasa. Aí enfiava-se o espeto incandescente no lugar do furo. A madeira pretejava, soltava fumaça, o espeto entrava até varar. Peso para linha de pescar se fazia derretendo-se alguns tubos de dentifrício ( esse era o nome da pasta dental...) que eram de chumbo. Como já disse, o fogo tem o poder de transformar o duro em líquido. Aí derramava-se o chumbo derretido num buraquinho cônico feito num canto do rabo do fogão. Antes que o chumbo endurecesse eu enfiava nele uma varetinha fina de uma vassoura de piaçava. Era através do buraco que a varetinha deixava que o fio de pesca iria passar. Fuçador, quebrei a caneta tinteiro do meu irmão Ismael. Tentei colar as partes com o poder do fogo. Colou, mas ficou torta.

Depois de velho, ao me lembrar das minhas experiências científicas com a cozinha, pensei que seria possível montar um programa de química a partir da culinária. Pois a química não se iniciou com a alquimia, que pretendia descobrir os segredo das transformações da matéria? E haverá lugar onde tais transformações são mais visíveis que a cozinha? Descobri, então, que um francês já havia feito isso. Seu nome é Hervé This-Benckhard. Eis o que ele escreveu no seu livro Les secrets de la casserole: “Cozinhar e fazer experiências químicas partem do mesmo princípio; misturar produtos diferentes e ver qual o resultado. As substâncias mudam de cor, de aroma, de sabor, de consistência. São duas atividades concretas, enriquecedoras e, ao contrário do que se imagina, nada difíceis” ( “O Estado de São Paulo,1994, 14 de maio, A-18).

Mas parece que os professores de química não se entusiasmaram. Acho que eles nunca tiveram as experiências de alquimista que eu tive...

(Correio Popular, Caderno C, 31/07/2005. - Rubem Alves)

O Rei nú

Hans Christian Andersen foi um dinamarquês que gostava de contar estórias para grandes e pequenos. Todos conhecem a estória do Patinho Feio. Imagino que ele a inventou para consolar um menino feio, sem amigos, motivo de zombaria. Contou também a estória de uma menininha que, numa véspera de Natal, a neve caindo, tentava vender fósforos numa esquina da cidade. Ninguém parava. Ninguém comprava. Todos caminhavam apressados para suas casas onde havia uma lareira acesa, o vinho, a ceia e os presentes os esperavam. Todos queriam celebrar o nascimento de Jesus. É uma estória triste. De manhã a menininha estava morta na calçada, gelada pelo frio. É uma estória bem brasileira: não temos menininhas vendendo fósforos sob a neve que cai mas temos muitas crianças, adolescentes e velhos vendendo balas de goma nos semáforos. Eu também gosto de inventar estórias. E tenho prazer especial em re-contar estórias conhecidas dando-lhes um fim diferente.

Algumas das estórias de Hans Christian Andersen estão cheias de humor e ironia, como aquela do rei vaidoso que gostava de se vestir elegantemente. Vou recontar esta estória com dois finais: o dele e o meu.

“Havia um rei muito tolo que adorava roupas bonitas. Os tolos, geralmente, gostam de roupas bonitas. Pois esse rei enviava emissários por todo o país com a missão de comprar roupas diferentes. Era o melhor cliente da Daslu. Os seus guarda-roupas estavam entulhados com ternos, sapatos, gravatas de todas as cores e estilos. Eram tantas as suas roupas que ele estava muito triste porque seus emissários já não encontravam novidades.

Dois espertalhões ouviram falar do gosto do rei pelas roupas e viram nisso uma oportunidade de se enriquecerem às custas da vaidade da Majestade. A vaidade torna bobas as pessoas: elas passam a acreditar nos elogios dos bajuladores... Foi isso que aconteceu com um corvo vaidoso que estava pousado no galho de uma árvore com um queijo na boca: por acreditar nos elogios da raposa ficou sem queijo...

Pois os dois espertalhões-raposa foram até o palácio real e anunciaram-se na portaria, apresentando o seu cartão de visitas: “Doutor Severino e Doutor Valério, especialistas em tecidos mágicos.”

O rei já havia ouvido falar de tecidos de todos os tipos mas nunca ouvira falar de tecidos mágicos. Ficou curioso. Ordenou que os dois fossem trazidos à sua presença. Diante do rei fizeram uma profunda barretada, tirando seus chapéus.

“Falem-me sobre o tecido mágico”, ordenou o rei.

Um dos espertalhões, o mais loquaz, se pôs a falar.

“Majestade, diferente de todos os tecidos comuns, o tecido que nós tecemos é mágico porque somente as pessoas inteligentes podem vê-lo. Vestindo um terno feito com esse tecido Vossa Majestade será cercado apenas por pessoas inteligentes, pois somente elas o verão...”
O rei ficou encantado e imediatamente contratou os dois espertalhões, oferecendo-lhes um amplo aposento onde poderiam montar os seus teares e e tecer o tecido que só os inteligentes poderiam ver..

Passados alguns dias o rei mandou chamar o ministro da educação e ordenou-lhe que fosse examinar o tecido. O ministro dirigiu-se ao aposento onde os tecelões estavam trabalhando.

“Veja, excelência, a beleza do tecido”, disseram eles com a mãos estendidas. O ministro da educação não viu coisa alguma e entrou em pânico. “Meu Deus, eu não vejo o tecido, logo sou burro...” Resolveu, então, fazer de contas que era inteligente e começou a elogiar o tecido como sendo o mais belo que havia visto.

“Majestade”, relatou o minsitro da educação ao rei, “o tecido é incomparável, maravilhoso. De fato os tecelões são verdadeiras magos!” O rei ficou muito feliz.

Passados mais dois dias ele convocou o ministro da guerra e ordenou-lhe que examinasse o tecido. Aconteceu a mesma coisa. Ele não viu coisa alguma. “ Meu Deus”, ele disse, “ não sou inteligente. O ministro da educação viu e eu não estou vendo...” Resolveu adotar a mesma tática do ministro da educação e fez de contas que estava vendo. O rei ficou muito feliz com a seu relatório. E assim aconteceu com todos os outros ministros. Até que o rei resolveu pessoalmente ver o tecido maravilhoso. Mas, como os ministros, ele não viu coisa alguma porque nada havia para ser visto. Aí ele pensou: “Os ministros da educação, da guerra, das finanças, da cultura, das comunicações viram. São inteligentes. Mas eu não vejo nada! Sou burro. Não posso deixar que eles saibam da minha burrice porque pode ser que tal conhecimento venha a desestabilizar o meu governo...” O rei, então, entregou-se a elogios entusiasmados ao tecido que não havia.

O cerimonial do palácio determinou então que deveria haver uma grande festa para que todos vissem o rei em suas novas roupas. E todos ficaram sabendo que somente os inteligentes as veriam. A mídia, televisão e jornais, convidaram todos os cidadãos inteligentes a que comparecessem à solenidade.

No Dia da Pátria, a cidade engalanada, bandeiras por todos os lados, bandas de música, as ruas cheias, tocaram os clarins e ouviu-se uma voz pelos alto-falantes:

“Cidadãos do nosso país! Dentro de poucos instantes a sua inteligência será colocada à prova. O rei vai desfilar usando a roupa que só os inteligentes podem ver.”

Canhões dispararam uma salva de seis tiros. Ruflaram os tambores. Abriram-se os portões do palácio e o rei marchou vestido com a sua roupa nova.

Foi aquele oh! de espanto. Todos ficaram maravilhados. Como era linda a roupa do rei! Todos eram inteligentes.

No alto de uma árvore estava encarapitado um menino a quem não haviam explicado as propriedades mágicas da roupa do rei. Ele olhou, não viu roupa nenhuma, viu o rei pelado exibindo sua enorme barriga, suas nádegas murchas e vergonhas dependuradas. Ficou horrorizado e não se conteve. Deu um grito que a multidão inteira ouviu:

“O rei está pelado!”

Foi aquele espanto. Um silêncio profundo. E uma gargalhada mais ruidosa que a salva de artilharia. Todos gritavam enquanto riam: “ O rei está nu, o rei está nu...”

O rei tratou de tapar as vergonhas com as mãos e voltou correndo para dentro do palácio.

Quanto aos espertalhões, já estavam longe e haviam transferido os milhões que haviam ganho para um paraíso fiscal...”

Não foi bem assim que Hans Christian Andersen contou a estória. Eu introduzi uns floreados para torná-la mais atual. Agora vou contar a mesma estória com um fim diferente. Ela é em tudo igual à versão de Andersen, até o momento do grito do menino.

“O rei está pelado!

Foi aquele espanto. Um silêncio profundo. Seguido pelo grito enfurecido da multidão.
“Menino louco! Menino burro! Não vê a roupa nova do rei! Está querendo desestabilizar o governo! É um subversivo, a serviço das elites!”

Com estas palavras agarraram o menino, colocaram-no numa camisa de força e o internaram num manicômio.

Moral da estória: Em terra de cego quem tem um olho não é rei. É doido.

(Correio Popular, 11/09/2005 - Rubem Alves)

Pergunte ao Bispo...

Acho que a política, antigamente, era mais verdadeira. Os partidos não tinham os nomes cheios de letras, como os de agora. Se tinham, ninguém se importava. O que valia mesmo eram os nomes que o povo lhes dava. Em Boa Esperança, onde nasci, os partidos eram dois: os ratos e os queijos. Em Lavras, terra da minha mãe, eram os gaviões e as rolinhas.

Não era preciso dizer mais nada. Compreendia-se de imediato a natureza do jogo político. Cada partido queria destruir o outro. Rato quer comer queijo. Queijo quer ser isca de ratoeira. Gavião quer comer rolinha. Rolinha quer é que gavião caia e quebre o pescoço. Era uma briga-festa marcada por foguetes, provocações, passeatas.

O que fazia com que uma pessoa fosse de um partido e não do outro? Não era ideologia. Ideologia é o conjunto de idéias que dizem o que o partido vai fazer, se ganhar o poder. Mas ninguém pensava nisso. Ninguém brigava por idéias. A graça estava na guerra, muito embora não se pensasse no “para que” da guerra. Era igualzinho torcida de futebol.

Sempre me pergunto: o que faz com que uma pessoa seja torcedor de um time e não de outro? Será que essa pessoa, antes de pôr suas emoções num time, faz um estudo de todos os times, para analisar os seus estilos, a classe dos seus jogadores, a honestidade dos seus dirigentes – para só então tomar a sua decisão? Não. Não há razões objetivas para se torcer por um time.
Então, o que faz com que uma pessoa fique tão perdidamente apaixonada por um time? O que a leva a essa paixão? Sei lá... Sei que não é por causa dos jogadores porque os jogadores são mercenários, não são torcedores do time em que jogam. Jogam porque são pagos e se outro time pagar melhor ele vai mudar de time. Também não é por causa dos cartolas, freqüentemente envolvidos em falcatruas. O tipo físico dos cartolas, inclusive, nada tem a ver com o tipo físico dos jogadores. A torcida se constituiu em torno de um nome, o nome do time. Torce-se por um nome e por uma camisa. E por causa desse nome e dessa camisa cometem-se os assassinatos mais estúpidos. Um torcedor vestido com a camisa de um time adversário é um inimigo que merece apanhar até morrer. Assassina-se por uma camisa...

Assim era também a política. Era? Era. É. Só que agora, ao invés de nomes de bichos como ratos, gambás, tatus, macacos, porcos-espinho, cobras, os nomes se encheram de letras cujo sentido poucas pessoas sabem. Na verdade cada letra vale por uma idéia, mas a idéia, com o passar do tempo, foi mumificada e ninguém pensa mais nela.

O que distingue os partidos? Quais são os seus ideários? É difícil deduzir, por aquilo que os políticos falam. Todos dizem a mesma coisa. Todos prometem mais empregos, mais crescimento econômico, mais segurança, mais educação. Se, vez por outra, celebram-se alianças, não é por convergências ideológicas mas por conveniências eleitorais. Cada eleição é um grande “Campeonato Brasileiro” em que cada time quer ganhar a taça. Quem ganha uma taça se assenta no poder, até que venha o novo campeonato.

O que leva uma pessoa a se ligar a um partido? Há aqueles que dizem que não lhes interessa o partido mas sim a pessoa. Isso equivale a dizer que não torce por um time mas por um jogador...
O que é meio esquisito porque o jogador só pode fazer gol se estiver jogando num time. Os políticos trocam de partido como os jogadores trocam de time. Mas, diferentes dos jogadores que não têm como furtar-se ao teste anti-dopping, os políticos saem de campo e demitem-se quando têm de submeter-se ao teste anti-corrupção.

Mas o fato é que há, na política, políticos que não são políticos; não torcem pelo time em que jogam. Se o juiz apita impedimento do atacante adversário que fez o gol, ele vai ao juiz e diz que o atacante não estava impedido. Eles não agem em função dos interesses dos partidos mas em obediência àquilo que consideram ser a verdade e o bem comum. Parecem-se mais com profetas solitários, vozes que clamam no deserto. Sua vida política é curta. Por isso eu os admiro.

O referendo sobre o desarmamento está me impressionando por duas razões. A primeira delas: nos limites da minha memória é a primeira vez que vejo uma votação acontecer em torno de uma idéia e não em torno de símbolos partidários. Não há candidatos. Não há partidos. A segunda razão: impressiona-me a paixão que a questão das armas tem provocado no povo. É o grande assunto das conversas, porque tem a ver com o cotidiano das pessoas. Processadas as divergências, todos são contra a violência. O que se busca é a melhor solução para se atingir um objetivo comum, que é a tranqüilidade dos cidadãos. É preciso trazer a paz de volta às nossas cidades. É preciso expulsar o medo.

Alguns argumentam que são contra a proibição de venda de armas porque isso seria atentar contra a liberdade do cidadão. Besteira. A sociedade se constrói sobre proibições. É proibido pisar na grama, é proibido guiar pelo acostamento, é proibido dar cheques sem fundos, é proibido roubar, é proibido matar. Uma sociedade sem proibições seria um caos. A proibição é o pré-requisito para que se configure o crime. Numa sociedade sem proibições não há crimes. Outros argumentam que é preciso que os cidadãos tenham armas para se defenderem dos bandidos. Besteira também. Os bandidos são mais rápidos, atiram primeiro. Outros pensam que a proibição de venda de armas produzirá um desarmamento geral, menos dos criminosos, é claro. Mas a proibição da bebida, nos Estados Unidos, não produziu uma sociedade abstinente e sóbria.
A proibição só serviu para aumentar o crime. A proibição das drogas não eliminou a comercialização e o consumo de drogas. Só serviu para trazer à existência o tráfico ilegal das drogas e o banditismo.

Todo mundo critica o povo por sua apatia diante dos problemas do país. Mas a apatia não surge do nada. A apatia vem junto com o sentimento de impotência. A corrupção é tão grande que nos sentimos impotentes. E apáticos. Ela deixa de nos provocar indignação. Face aos horrores da nossa vida política somos tomados pela convicção de nada há a ser feito. Mas agora, diante da questão do desarmamento, o povo está sentindo que o seu voto faz diferença. Por isso ele pensa e discute. Talvez que o povo venha a despertar de sua apatia quando, ao invés de ter de votar nos jogadores que irão constituir os times partidários, ele tiver de decidir sobre questões concretas do seu cotidiano. Se duvidam, perguntem ao bispo que jejuou pelo rio S. Francisco...
(Correio Popular, 23/10/2005 - Rubem alves)

John F. Kennedy

"Amar a leitura é trocar horas de fastio por horas de inefável e deliciosa companhia." (John F. Kennedy).

Bill Gates

Meus filhos terão computadores, sim, mas antes terão livros. Sem livros, sem leitura, os nossos filhos serão incapazes de escrever - inclusive a sua própria história.

Mário Quintana

Qual Ioga, qual nada! A melhor ginástica respiratória que existe é a leitura, em voz alta, dos Lusíadas.

Clarice Pacheco

Viajar pela leitura
Viajar pela leitura sem rumo,
sem intenção.
Só para viver a aventura
que é ter um livro nas mãos.
É uma pena que só saiba disso
quem gosta de ler.
Experimente!
Assim sem compromisso,
você vai me entender.
Mergulhe de cabeça
na imaginação!

Voltaire

A leitura engrandece a alma.

Carlos drummond de Andrade

A leitura é uma fonte inesgotável de prazer mas por incrível que pareça, a quase totalidade, não sente esta sede.